domingo, 4 de novembro de 2007

O ministro da Economia não se nota, não se vê, não existe

O administrador do Grupo Vangest, da Marinha Grande, é peremptório: a crise pela qual o país passa é “um movimento de fundo, cultural, de reorganização das forças, reutilização dos recursos e optimização dos meios”

JORNAL DE LEIRIA (JL) – Acredita que o facto do Grupo Vangest ter sido escolhido pela BBS para criar as jantes do Mini Cabrio, construído pela BMW, pode vir a trazer mais negócios para a empresa?
Victor Oliveira (VO) – De forma alguma! Se, há cerca de cinco anos, era estratégico trabalhar com a indústria automóvel, hoje, não deixando de ser importante, é muito menos estratégico. Trata-se de uma indústria extremamente competitiva, cada vez mais deslocalizada e ligada à mão-de-obra barata, com condições de trabalho proibitivas. A BBS e a relação que temos com outras marcas na área automóvel vem consolidar a nossa posição nessa área, mas não quer dizer que estejamos muito interessados em abrir outras portas na indústria automóvel. O que pretendemos é - e sublinho isto - consolidar a nossa posição para não sermos permeáveis às condições draconianas impostas pela indústria ao nível dos prazos, pagamentos, custos e do que quer que seja – só há exigências!

JL – Nesse caso, quais são as novas áreas emergentes que representam saídas para a indústria nacional?
VO – Para além da electrónica, creio que os bens de consumo são fundamentais...

JL – E que mais-valias poderá o interesse da Boeing pela indústria nacional trazer ao nosso País?
VO – Penso que se trata de um projecto que, do ponto de vista prático, dificilmente trará resultados num prazo imediato. É um investimento que é importante fazer. Está constituído um grupo de trabalho que tem feito contactos apreciáveis e o desafio tecnológico e reconhecimento de uma empresa da dimensão da Boeing, e ainda a inclusão da nossa indústria nos seus planos, quanto mais não seja, é um aspecto importante. O desafio é muito complexo e interessante e envolve uma série de entidades e capacidades da indústria e das universidades. Basicamente, o que estamos a fazer é tentar converter materiais convencionais para a aeronáutica, como os materiais compósitos, em termoplásticos, correspondendo às características mecânicas e solicitações dos compósitos. Estamos a falar de peças que têm de ser muito leves e resistentes à combustão e ao esforço. Mesmo se, “in extremis”, não fizermos nenhum negócio com a Boeing – embora, pessoalmente, acredite que vai haver negócios firmados -, a capitalização de know-how e a interacção com os técnicos da Boeing já são ganhos importantes. É desta interacção que resulta o movimento cultural e a evolução necessários na indústria dos moldes.

JL – Num momento em que os prazos de entrega são cada vez mais curtos, as empresas que não disponham de tecnologia de prototipagem rápida (PR) estão condenadas?
VO – Não. As empresas têm de se ver mais como elos de uma cadeia e menos como concorrentes, complementando-se. Para quê comprar uma máquina que custa 300 mil euros que só é utilizada a 20 por cento da sua capacidade? Aliás, na Marinha Grande temos um centro tecnológico que tem uma excelente oferta a esse nível. A PR é uma fase do ciclo de desenvolvimento de um produto cujo peso na sua concepção representa muito pouco. Talvez entre três e cinco por cento, mas é preciso perceber o espaço que a prototipagem virtual tem vindo a ocupar. Há marcas de automóveis que pretendem, num prazo de três anos, eliminar os protótipos físicos e substituí-los por modelos de computador.

JL – Que consequências pode ter o alargamento da UE a Leste e qual é o perigo da concorrência chinesa?
VO – Estou perfeitamente consciente das consequências que a entrada de novos parceiros e a concorrência cada vez mais directa da China podem trazer. Devemos ter o discernimento e a capacidade de tornar essas ameaças em oportunidades. Temos de saber acrescentar mais-valias para os clientes que procuram soluções globais que esses países não sabem desenvolver. Por outro lado, na lógica de sinergias, estamos perante uma excelente oportunidade para criar parcerias positivas para a indústria nacional, em conjunto com os países que se vão juntar à UE. Essas relações têm de passar por sermos mais inovadores que eles e creio que estamos razoavelmente à frente para conseguirmos esse objectivo.

JL – Como se pode aliar a necessidade de mão-de-obra muito cara e altamente especializada, como a do sector dos moldes, com a contenção de custos em recursos humanos?
VO – Na Marinha Grande há dos melhores equipamentos do mundo, mas, de uma forma geral, as empresas e os empresários esqueceram-se de formar as pessoas. Temos de pôr as máquinas a trabalhar para nós e pessoas especializadas a operá-las para que o seu rendimento seja o máximo possível. Nessa lógica, estaremos a aumentar a nossa competitividade, o rigor das operações e a optimizar os recursos existentes.

JL – Há cerca de duas semanas, o ex-ministro da Economia, Augusto Mateus, esteve em Leiria, no âmbito de uma conferência organizada pelo JORNAL DE LEIRIA, e referiu que o dinheiro utilizado na construção dos estádios para o Campeonato Europeu seria suficiente para Investigação e Desenvolvimento nas empresas durante dez anos. Concorda com esta ideia?
VO – Tive oportunidade de estar presente nessa conferência. Não sei se daria para dez anos, mas seria suficiente para bastante tempo e estaria melhor empregue do que em estádios de futebol. Esta loucura de termos criado uma estrutura megalómana para o Euro está completamente fora da nossa dimensão. Dou total razão à opinião do professor e lamento que esse dinheiro não tenha sido investido em hospitais ou escolas; equipamentos muito mais estruturantes que estádios. Ainda por cima, os recintos vão ser sub-utilizados. Vem-me à ideia uma frase que ouvi durante um concerto no novo estádio de Coimbra: “Em 90 por cento dos jogos estarão menos pessoas que o número de sanitas que aqui existem”.

JL – O que pensa da actuação de Carlos Tavares enquanto ministro da Economia?
VO – Trata-se de uma actuação suficientemente cautelosa para não ser alvo de grandes críticas ou elogios. Não se nota, não se vê, não existe, não acrescenta valor, é demagógica e pouco efectiva. Da forma em que o País e o tecido empresarial se encontram, a actividade e o envolvimento ministerial deveria ser mais estruturante.

JL – Durão Barroso disse recentemente que depois de dois anos a apertar o cinto há agora condições para crescer e aumentar as exportações. Acredita que sim?
VO – Penso que faz parte da demagogia implícita ao modo como o Governo se tem comportado relativamente à indústria. É muito difícil entender como se deve exportar quando as empresas são penalizadas pelas políticas implementadas pelo Executivo. É o caso do IVA: uma empresa que exporta está directa e objectivamente a financiar um Estado que não paga aos contribuintes e às empresas o que deve nessa matéria. Obviamente, esse é o único discurso que o primeiro-ministro pode ter. Se o discurso não for positivo, em nada auxiliará à saída da situação em que nos encontramos. É criticável a forma como as coisas têm sido geridas e o que o Governo está a fazer em nada ajuda a alcançar esse tal salto de crescimento e das exportações. Todos nós, a nível do “cluster” dos moldes da Marinha Grande e Oliveira de Azeméis, sabemos que não vivemos um período de dramatismo que nos coloque em causa, mas não devemos adormecer à sombra desse facto. Devemos sim, considerar que este período de crise não é igual a outros por que o País passou. Não voltaremos ao período bom que se viveu até há cerca de dois anos. Trata-se de um movimento de fundo, cultural, de reorganização das forças, reutilização dos recursos e optimização dos meios. Vivemos um momento de viragem e temos de estar despertos para conseguir lidar com a situação.

JL – Qual é a importância do projecto do TGV para o País e para a região?
VO – Tudo o que nos permita aproximar da Europa, ainda que seja através de Espanha, é importante. Não discuto quais devem ser as linhas, os trajectos prioritários, como deve ser feita a sua construção, qual o workflow e como as coisas devem funcionar, mas creio que é um investimento que faz todo o sentido.

JL - Como vê a nova divisão administrativa nacional através das áreas e comunidades urbanas?
VO – Já somos suficientemente pequenos para nos dividirmos em subconjuntos criticavelmente mais pequenos, criando estruturas que, por mais pequenas que sejam, serão sempre sobredimensionadas. Temos de pôr as coisas em termos práticos, sermos mais objectivos e muito menos empíricos do que temos sido. Pode até ser uma coisa boa para o País, mas não do modo como tem sido apresentada.

JL – Como avalia o papel das autarquias no desenvolvimento local?
VO – As autarquias deveriam ser mais dinâmicas e ter uma sensibilidade completamente diferente para com o tecido empresarial. Precisavam de ser mais aglutinadoras e promotoras daquilo que se faz em cada região e entre elas serem capazes de integrar as características de cada uma, de modo a que os diferentes pólos possam comunicar entre si e desenvolver--se. A título de exemplo, há empresários em áreas distintas da dos moldes que importam tecnologia e bens do estrangeiro que existem na Marinha Grande. O nosso País tem menos população que alguns grandes centros urbanos mundiais, mas mesmo assim não nos conhecemos e não sabemos como interagir de forma tão optimizada quanto possível.

JL – Qual deverá ser o relacionamento entre Portugal e Espanha nos próximos tempos?
VO – Temo-nos preocupado [Grupo Vangest] muito com esse mercado. Espanha também tem vivido um momento menos bom ao nível do nosso “core business”. Cada vez mais, sem nos anularmos e subjugarmos à dimensão política e económica de Espanha, temos de ser uma Península Ibérica. Os portugueses estão de costas viradas para aquele país e para o seu mercado, pois existe a noção de que se trata de um local de difícil penetração. A verdade é que o mercado espanhol se subdivide em vários mercados e grandes pólos. Quando nos instalámos em Espanha percebemos que existem diferentes regiões com identidades e culturas diferentes. Estar na Catalunha não é o mesmo que estar na Galiza.

JL – O primeiro-ministro criticou o anúncio da intenção de vários países retirarem do Iraque. Concorda com Durão Barroso?
VO – Penso que o que está mal não é o que se está a fazer hoje, mas o que se fez antes. Não se deve reagir com erros a outros erros. Retirar não iria corrigir os erros do passado e, por outro lado, é preciso ser consequente com as resoluções que se tomam. Não se pode mudar de opinião todos os 15 dias. Pessoalmente, creio que a presença das forças no Iraque tem, neste momento, de ter uma postura diferente de uma acção de guerra. Se a retirada fosse maciça, as consequências para a região seriam muito piores do que se se mantiver esta situação. Percurso Quando era mais jovem Victor Oliveira era conhecido por “Kawa” - lê-se Cava – devido ao amor que tinha pela moto da marca Kawasaki que possuía. “Ainda hoje, há pessoas na minha família que me chamam ‘Kawa’ e não sabem quem é o Victor”, brinca. Natural de Leiria, tirou o curso de Engenharia Mecânica em Coimbra e, ainda durante os estudos, estagiou e trabalhou durante as férias na indústria de moldes da Marinha Grande. Foi esta a profissão que seguiu depois de terminar os estudos, ao ingressar na empresa Geco. Aqui, implementou técnicas de computação de CAD/CAM, levando a empresa a um novo patamar de tecnologia. Depois disso, a Control Data Corporation, uma multinacional americana de software, fez-lhe uma proposta de trabalho, que ele aceitou, passando três anos a trabalhar para aquela empresa. Ao fim desse período, o irmão, Carlos Oliveira, que já era sócio–fundador da Moliporex, empresa que actualmente faz parte do Grupo Vangest, convidou-o a juntar-se a ele num projecto ligado às tecnologias da informação. O resultado desta parceria foi a criação do Grupo Vangest, que administra em parceria com o irmão.

Jacinto Silva Duro
Raquel de Sousa Silva


Perguntas dos outros

Luís Febra, empresário do sector dos moldes, Alcobaça Como vê a Investigação e o Desenvolvimento (I&D) e a relação entre as universidades e a indústria no futuro? Vejo a I&D como um dos ingredientes fundamentais para darmos o salto qualitativo que precisamos no tecido empresarial e no “cluster” dos moldes. Essa é uma área em que o Grupo Vangest aposta há muitos anos e temos a intenção, inclusivamente, de aumentar o investimento. A I&D é algo que nos traz um grande valor acrescentado e permite criar uma diferenciação de mercado. Nesse contexto, considero a relação com os meios académicos e centros tecnológicos imprescindível. Temos trabalhado com várias instituições de ensino, como a ESTG, de Leiria, a Universidade do Minho, a Universidade de Aveiro e alguns departamentos da Universidade de Coimbra. O âmbito é tão vasto que só com sinergias e complementaridade é que conseguiremos fazer as coisas.

António Cunha, director do Departamento de Engenharia de Polímeros da Universidade do Minho Como pensa que vai ser a indústria de moldes dentro de cinco anos? Acredito que a indústria de moldes nacional está a viver um momento fundamental para o seu futuro. Temos concorrentes novos que não existiam há dois ou três anos, como o mercado chinês, que está cada vez mais próximo do nosso nível tecnológico, e de tal forma competitivo, que nem é lógico discutirmos preços com eles. Por outro lado, o alargamento da União Europeia vai trazer ofertas de produção muito mais competitivas ao nível de custo. A formação base dos habitantes desses países é muito superior à nossa e a vontade de crescer e vencer é brutal. A situação geográfica também é determinante: Portugal é cada vez mais periférico. A indústria de moldes tem de fazer uma fortíssima reflexão sobre o seu posicionamento estratégico, porque as empresas que continuarem a trabalhar exclusivamente na transformação do aço correm o risco de, amanhã, não existirem, pois não é viável competir pelo preço. O mercado nacional também não tem capacidade de absorver o que se faz na Marinha Grande, o que significa que temos de acrescentar valor à nossa oferta. No nosso grupo, temos adicionado design, tecnologia, electrónica, integração, inovação e tudo aquilo que o cliente procura.

Carlos André, presidente da Vitrocristal O que é necessário para que a região tenha, globalmente, o mesmo protagonismo que o Grupo Vangest? Aquilo que o Grupo Vangest faz hoje não é nem mais nem menos o que qualquer empresa da Marinha Grande poderá fazer muito rapidamente. Não estou a subvalorizar o Grupo Vangest, nem a sobrevalorizar quem quer que seja. O que nos falta é transformar as fábricas da Marinha Grande e de Oliveira de Azeméis em respostas mais integradas. A inovação, que toda a gente diz que faz mas que depois acaba por não fazer, é algo que é fundamental no terreno. O Grupo Vangest é um exemplo, entre outros, disso – era nosso objectivo sermos perfeitos, mas nunca conseguiremos sê-lo (risos). Mas, para responder ao professor Carlos André, eu diria que temos de apostar nas pessoas, na qualidade, sermos selectivos, ter o discernimento para tomar as decisões mais correctas, procurar os parceiros e as sinergias certas. O padre António Vieira disse, no século XVI, que “Deus deu Portugal aos portugueses para nascer e o mundo para viver e morrer”. O nosso mercado, em termos de oferta transversal, está fora de Portugal. Está longe, e ao mesmo tempo, pode estar perto. Estamos à procura de mercados muito convencionais, onde já toda a gente está, como o mercado automóvel. Temos é de procurar nichos, que podem estar tão perto como Espanha e tão longe como África, mas que existem.

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